Corria o ano de 1964 e os poderes
constituídos de Pindamonhangaba se lembraram: no ano seguinte se completariam
cem anos do envio de tropas brasileiras contra o Paraguai. Como vários pindamonhangabenses participaram
daquela guerra, o Dr. Chiquinho Romano promulgou a Lei nº 745, de 10/12/1964,
instituindo prêmios em dinheiro para os três melhores trabalhos de estrita
pesquisa histórica em torno do tema “Pindamonhangaba e a Guerra do Paraguai”. O
artigo 4º da Lei prometia: “O trabalho classificado em primeiro lugar será
publicado pela Prefeitura Municipal”. Só poderiam participar estudantes do
colegial, normal, ginasial e comercial da cidade.
A exigência de “estrita pesquisa histórica”
afastou da contenda os pesquisadores que só aprenderam a se apoiar nas obras já
publicadas e que se furtam ao esforço de folhear documentos antigos,
manuscritos difíceis de ler, papelada contaminada de poeira e bichinhos. Também
não podia ser um trabalho ligeiro. O artigo 5º dizia que os trabalhos não podiam
ter menos de cinquenta páginas de papel almaço datilografados com espaço um.
Quem iria se dispor a iniciar uma pesquisa
que resultasse num trabalho assim? Somente quem se sentisse dotado das
condições intelectuais exigidas pela tarefa – e estivesse precisando de
dinheiro. A Lei estabelecera prêmio de Cr$100.000,00 (cem mil cruzeiros) para o
primeiro colocado. Ao segundo e ao terceiro lugares caberiam Cr$60.000,00 e
Cr$40.000,00, respectivamente. Lembrando: o salário mínimo na época era de
Cr$42.000,00. O meu irmão Luiz Gonzaga, que cursava o segundo ano do
científico, disse: Vou concorrer!
Antes de iniciar a pesquisa propriamente
dita, preparou-se. Leu tudo que havia sobre o assunto, todos os autores. Quando
se sentiu pronto, apresentou-se na Câmara, queria compulsar as atas. Recebeu
apoio gentil e verdadeiro do secretário Sr. Mario Jacinto. A partir daí,
durante alguns meses, todos os dias ia revirar os velhos manuscritos, enfrentar
a caligrafia complicada, os papéis atacados de papirófagos, tentando traduzir
aqueles registros de épocas passadas. Anotava tudo.
Nas suas leituras de historiadores, descobriu
– e colocou no trabalho – que Francisco Solano Lopez, o líder paraguaio, era
casado com Alice Lynch, uma irlandesa dotada de visão política avançada. Descobriu
também que o exército brasileiro foi o primeiro do mundo a usar um balão
aerostático para observar as tropas inimigas. Incluiu anotações sobre o
construtor Chiquinho do Gregório, sobre os nobres da cidade, os políticos da
época. E descobriu – ai que triste! – que a Câmara, além de relatar ao
Imperador a lista dos pindamonhangabenses que fizeram doações para a causa da
Guerra, também encaminhava a lista dos que não contribuíram.
Então, um dia, o trabalho estava pronto para
ser datilografado. Arrumou emprestada uma máquina de escrever. Comprou papel.
Não sobrou dinheiro para comprar papel carbono, assim o trabalho seria
datilografado em apenas uma via. É preciso lembrar? Naquele tempo não existia
xerox. Mas não fazia mal, se ganhasse o
primeiro lugar, o trabalho ia ser publicado pela Prefeitura, talvez uns
quinhentos exemplares...
Dias e dias, ficava martelando a maquininha
na varanda da nossa casa em Coruputuba. Entendeu que a Lei, ao falar em
cinquenta folhas de papel almaço, estava querendo dizer cem páginas. Tudo bem,
fez um trabalho datilografado de cem páginas. E foi à Prefeitura para entregar,
no prazo legal. Ninguém quis receber, não tinha sido formada a comissão
julgadora. Então foi à Câmara, procurando quem pudesse receber o trabalho.
Ninguém recebeu. Ficou o Luiz Gonzaga um tempo andando de um lado para outro
com o trabalho dentro de uma pasta.
Por insistência do Dr. Angelo Paz da Silva, o
prefeito Chiquinho Romano promulgou nova lei, a Lei nº 812, de 02/12/1965,
concedendo o prêmio de Cr$100.00,00 ao estudante Luiz Gonzaga da Silva
Marcondes, que tinha sido o único concorrente.
Mas o dinheiro nunca saiu. Nem a publicação.
Ninguém queria pegar o trabalho da mão dele. Até que, já em 1971, um personagem
da cidade, tido como defensor das tradições e guardião da história, ofereceu
guarida ao valioso documento, recebendo-o das mãos do desesperançado
pesquisador: “Pode deixar comigo que eu mando publicar”.
E nunca mais se ouviu falar do trabalho
“Pindamonhangaba e a Guerra do Paraguai”.
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Texto
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
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